Padrinho Gilberto
- Jornal Daki
- há 30 minutos
- 3 min de leitura
SÃO GONÇALO DE AFETOS
Por Paulinho Freitas

Lembrar o passado é um exercício difícil para mim. Existem passagens que eu queria nunca lembrar, são como gosto de comida ruim. Você não esquece. Mas, as passagens boas, as superam em muito. Às vezes me vem umas lembranças tão boas que lacrimejo e fico buscando uma maneira de eternizá-las na mente para revivê-las nas horas em que as más lembranças teimarem em aparecer.
Padrinho Gilberto é uma lembrança gostosa feito o doce de D.Gilda, caseiro, feito com amor de mãe. Ele era padrinho de minha irmã, era um cara tão legal que todo mundo queria ser afilhado dele e a gente, os que não tiveram a sorte de minha irmã, também chamávamos ele de padrinho.
Paulinho, nosso vizinho de muro era flamenguista roxo e padrinho Gilberto, vascaíno. Quando os dois times se enfrentavam, Paulinho gritava: Mengoooooo! Ô Gilberto! É o Flamengo! Gilberto, muito malandro, quando via o amigo, nada falava, só olhava e sorria. Era pior do que mil palavras, aquilo matava qualquer um de raiva. Os dois nunca brigaram, pelo menos, eu nunca vi. Sempre se respeitaram.
Quando alguma coisa dava defeito lá em casa, minha avó chamava padrinho Gilberto para consertar. Conversar com ele também era muito legal. Ele contava histórias pra gente. As de terror eram as minhas favoritas.
Contava ele que na rua de cima morava um homem que só aparecia à noite, não comia e não bebia água. Veio da Inglaterra e tinha mais de trezentos anos. Ele era um vampiro. Na Inglaterra, morreu com uma estaca de madeira enterrada no peito por um caça vampiros, depois cremado. Um cientista pegou as cinzas dele e jogou no mar. Estas cinzas jamais se separaram e viajaram milhares de quilômetros, vindo parar na Praia da Tamarineira, no Gradim, bem ao lado do Cais de Valter Arraia. Ali se tornou homem novamente numa noite de lua cheia. Se alimentava de sangue daqueles que se atreviam a sair de casa depois de meia noite nas noites em que a lua se mostrava mais bela. Falava isso, olhava para o céu e para o relógio. Aí dizia: _ Vou embora porque já está ficando tarde e a lua está mais redonda que o normal. Se benzia e saia apressado. A gente ficava com os olhos arregalados e íamos deitar com a cabeça coberta, sem dar um pio, com o coração saltando do peito, mas dormíamos rápido e acordávamos já querendo outras histórias. É aquele gostinho de “quero mais”, de coisa boa.
Esta lembrança me veio nesta final de sambas de enredo do GRESU Porto da Pedra, onde três sambas disputavam a oportunidade de ser o hino da escola para o próximo carnaval.
Apesar de ter o meu favorito, não vibrei e não cantei em nenhuma das apresentações em respeito aos demais. Porém, observei os compositores concorrentes, cada um com suas convicções e certezas de que ganhariam a disputa. Todos lutando por suas convicções.
No final da noite, só um ganhador viu sua obra ser eternizada na voz do cantor principal da escola, só uma parceria sagrou-se campeã. Os outros concorrentes, por educação e respeito, cumprimentaram os campeões e foram lamber suas feridas, lamentar a derrota e até mesmo disparar palavras, aqui impublicáveis, contra a comissão julgadora.
O melhor disso tudo é saber, que na segunda feira, reunião da ala de compositores, todos, vencidos e vencedores estarão num grande churrasco, comemorando o início de um trabalho que levará nossa escola de volta ao grupo especial do carnaval do Rio de Janeiro. Saber que como padrinho Gilberto e Paulinho, não importa o resultado, importa a amizade e um propósito: respeitar e aceitar a derrota, acima de tudo, reconhecer, sabendo que a vitória está sempre ao lado do melhor trabalho.
À parceria 13, campeã da disputa, todo o meu respeito e admiração por fazerem um grande samba, com grande chamada emocional que o enredo merece, por reunir tantos amigos, numa inesquecível apresentação.
Às parcerias que com tanta dedicação, trabalho e competência, abrilhantaram a festa e entenderam que no final só pode ter um vencedor, tenho a dizer que a teimosia de Santos Dumont o fez voar. Não desistam! Ano que vem tem mais.
Vivas à vida! Vivas ao GRESU Porto da Pedra!
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor