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Por toda minha vida

SÃO GONÇALO DE AFETOS


Por Paulinho Freitas


Fui testemunha de uma história de amor com um final quase feliz. 


Perto da casa onde moro, mora uma mulher que viveu pelo magistério. Dessas pessoas que estudam para melhorar a vida das pessoas. Todos os dias, às sete em ponto, fizesse chuva ou fizesse sol, ela passava pela rua a caminho do Clélia Nanci, onde lecionava pela manhã, tarde e noite. Uma máquina de trabalho. No mesmo horário, outro vizinho, fizesse chuva ou fizesse sol, estava em sua calçada, varrendo o chão ou lavando o carro ele estava lá.


Como os poetas do início do século passado, ele via a amada passar, olhava para ela e baixava os olhos quando os dela encontravam os seus. Após a passagem dela é que ele ia agir a sua vida. 



À noite, quando voltava do trabalho, punha a cadeira na calçada, sentava e ficava contando estrelas, quando uma estrela cadente cortava o céu, rapidamente fechava os olhos e pedia, com fervor, de olhos fechados, uma oportunidade com sua amada. Quando ela passava de volta da escola para casa, o mesmo ritual ocorrido pela manhã se repetia. Depois, cada um pro seu canto, viver de olhos fechados o que quando eles estavam abertos não enxergavam a possibilidade. 


Depois de fazer a correção em dezenas de provas e trabalhos, quase de madrugada ela entra no banho deixando a água fria do chuveiro descer pelas costas, desde a nuca até os calcanhares. O corpo começa a relaxar e pela ponta dos dedos, sente o sabor do sexo que a vida lhe nega. 



Ele, por sua vez, por mera coincidência, toma banho no mesmo horário, sente através das mãos o mesmo sabor que ela, mas sente um vazio enorme dentro do peito quando acaba. 


Assim a vida passou, como uma novela passada no interior, com uma praça, poucas casas e personagens que circulam pelo mesmo cenário como se o mundo fora dali não existisse. 


Depois que saí do emprego, que me permitia assistir esse poético acontecimento, passei anos sem vê-los. A vida não alisa ninguém. Se você não tem atitude, que Deus te ajude. 


Esta semana, num dia de retorno de plantão vi a professora, o tempo passou, não tem mais o vigor físico de outrora e a vida de professora destrói qualquer ser humano, por mais forte que seja. Ela caminha devagar, puxando um carrinho cheio de livros. Na calçada meu vizinho a olha com o mesmo olhar apaixonado de tantos anos atrás. Quando os olhos dela encontra os dele, também como há anos atrás, ele baixa a cabeça.



Um grupo de alunos se aproxima, um deles pega o carrinho das mãos da professora e o conduz orgulhoso, ela sorri um sorriso conformado, olha para um casal de namorados adolescentes se beijando à sua frente, baixa os olhos envergonhada e segue. Ele acompanha a caminhada dela até que ela dobre a esquina, ele entra em casa. Seus olhos parecem os de um menino, pronto para fazer uma peraltice. 


Será que os dedos e as mãos ainda sentem sabor? Jorge Aragão responde: ...”quem vai saber? Santo, secreto, sagrado amor... Quem vai saber?” 


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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.

 

 

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