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No tempo dos fliperamas - por Sammis Reachers


Os acrcades nos anos 1990/Foto: reprodução Internet
Os arcades nos anos 1990/Foto: reprodução Internet

A depender da janela de idade, talvez você também tenha curtido a época. Ela durou relativamente bastante: De meados da década de oitenta até meados, ou vá lá, final da década de 10 deste nosso século.


No começo, além das pioneiras e parangoléicas máquinas eletromecânicas de pinball, os jogos eletrônicos eram restritos a um Pac-Man, um Galaga, um Space Invaders... A coisa era simples. Na década de 90 veio a explosão: Os jogos de luta suplantaram os demais, e multiplicaram o número de usuários (viciados não!). Quem viveu, não tem como esquecer: Street Fighter, The King of Fighters, Samurai Shodown, Mortal Kombat e trocentas outras franquias que corriam por fora. As demais categorias nunca deixaram de existir: Os shoot ‘em ups, que são os tradicionais jogos de navinha; os beat ‘em ups (haja up!), que são os divertidos jogos de andar-e-bater, como Double Dragon, Final Fight, Captain Commando, Cadillacs and Dinosaurs; os jogos de corrida, tiro e outros mais.


Todos os bairros, por mais aloprados e esquecidos das atenções da civilização, tinham suas máquinas, em bares, lojinhas, padarias... Alguns bairros, agraciados, contavam com casas exclusivas, apenas para eles: os fliperamas.


Quanta mãe gonçalense já foi buscar seu rebento que jazia enfurnado naqueles antros de perdição! Mas, passado o tempo, sabemos que a perdição era apenas de dinheiro: Merrecas de fichas, mas verdadeiras fortunas para quem não tinha quase nada.



E era meu caso. Mas dava meu jeito: vendia garrafas, catava ferro-velho nas margens do rio Alcântara e nos lixões do entorno (nos anos oitenta não havia coleta por cá). E havia o corporativismo dos defasados (miseráveis não!): Quando um moleque não tinha dinheiro, o outro tinha; um trabalhava de ajudante aqui, outro via pingar a curta mesada ali, e assim mão lavava mão e as quatro mãos se divertiam. Ou oito, pois havia cabines para até quatro jogadores ao mesmo tempo, e a fluição, o prazer da balbúrdia que é você jogar com mais três amigos de uma vez, naquelas chuvas de bordoadas, naquele bate-apanha-perde-coloca-outra-ficha, naquele esbraveja-xinga-gargalha, ah, é dos prazeres, acredite, maiores que vi na vida.


Tínhamos aqui alguns jargões, “bora pranchar uma ficha”, “bora apertar uma ficha”. E lá íamos para a fonte escolhida. Aqui na região as opções eram muitas: O saudoso Bar do Galego, em Tribobó (“para de xingar aí, moleque!!!”, berrava o inveterado flamenguista com aquela voz rouca), o “Fliperama do Arsenal”, grande casa dedicada que jazia na rua do colégio Dalila, próximo ao B. Braun; Seu Djalma no Capote, Dona Marta e Dona Zeza no Palha Seca, Casa Taicorama na entrada do Jockey (a atendente juvenil diabolicamente se vestia como uma pin-up (haja up!) e foi uma de minhas paixonites) e tantos e tantos outros.


Claro, já haviam os videogames, e a certa altura ganhei um – estratégia de minha sofrida mãe para me prender mais em casa – mas os jogos simples do Nintendo não se comparavam aos festivais de cores e efeitos e a variedade dos jogos de arcade.



E aquilo era socializar, faziam-se muitas amizades, e vá lá, alguns inimigos também.


Uma época que “quem viveu, viveu”, seja jogando, seja tendo que dar dinheiro pra filho – seja proibindo-o de entrar na perdição. Com o tempo, o aumento da qualidade dos consoles caseiros (calma, é o nome técnico dos videogames) proporcionou a mesma qualidade técnica dos arcades, podendo ser usufruída no conforto de casa. E isso tornou o negócio não extinto, mas comercialmente inviável.


Hoje a jogatina coletiva, muito mais complexa e cara, rola apenas online, no aconchego do lar, e as socializações, embora mais frias e distantes, abarcam agora toda a estatura do orbe: Seu filho deve estar jogando à noite num clã (“guilda”, equipe) que junta coreanos, chineses, mexicanos e outros. Entendem-se como podem, com rudimentos de inglês, com a linguagem universal que esse grande universo gamer – indústria que, saiba você, movimenta mais dinheiro que a cinematográfica ou qualquer outra indústria de mídia – tem construído. Um quinto de meus alunos meninos de sexto ano (sim, eu pesquisei), moleques de onze anos, sonham em se tornar profissionais dos e-esports, os esportes eletrônicos. Aquela nossa diversão viciante agora é meio de vida, malandro! Conheci um guri desses que é arrimo de família...


E pensar que no começo tudo se resumia a andanças em ruas de poeira atrás daqueles mágicos caixões de madeira.

 

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Sammis Reachers, hoje jogador ocasional, vez por outra escreve sobre jogos antigos na revista Muito Além dos Videogames.




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