top of page

O Paraguaio de Campina Grande, por Sammis Reachers


A partir de imagem de YouTube
A partir de imagem de YouTube

Naquele tempo Everaldo trazia muambas do Paraguai. Relógios, mais especificamente. Era um paraibano branco, forte, de cabelos à la Rambo. Eu trabalhei para Everaldo de 94 a 96, numa banca de camelô em Alcântara, São Gonçalo. Vendia os mais finos medidores temporais de toda a cristandade e além: aquilo era um harém da relojoaria universal, de todas as marcas, dos cantões da Suíça a Tóquio, passando por Paris e Nova Iorque, tudo com escala – ou montagem – em Pequim, Xangai, Guangzhou, é claro, e a 20% de comissão em cada venda. Eu era um garotão viciado em quadrinhos, fliperamas e rock’n roll, e dava pra viver meus vícios sem passar fissura.


Hoje tem alguma graça, mas antes me chocava o inusitado, o vão de tal morte: um caroço de azeitona.


Foi em 2003, na semana em que o então prefeito do Rio, César Maia, reinaugurou o Pavilhão de São Cristóvão, a popular Feira Nordestina. Entre um tira-gosto e outro Everaldo tomava, assentado numa roda de conterrâneos, uma cachaça vermelha, da terrinha, depois fui saber, dita justa ou desabusadamente ‘Santa Rita a Vermelha’. Estranho nome para uma santa, ou cachaça, mas dá na mesma, pensei na época. Engasgou com o tal tira-gosto oliváceo, levantou-se já vermelho, deram-lhe socos nas costas, e tapas, e mais socos, muitos socos pelo que me disseram, mas não adiantou. Caiu ali, agora arroxeado, puseram-se a abaná-lo, mas já não havia ar, já não havia anima (espírito) naquele corpo.


Tinha na bolsa uma seleta de dez cordéis que me comprara, que eu havia lhe encomendado. Eu, carioca filho de mineira com paranaense, adorava cordéis, como adorava aqueles livrinhos de western, de bolso, que brasileiros escreviam com pseudônimos norte-americanos. Pulp-fictions, assim como os cordéis eram os pulp-fictions verdes-amarelos. Não sei porque digo isso, não quero fugir do assunto, do Everaldo, mas sempre que me lembro dele penso nos cordéis, ‘João Cabrobró contra Satanás’, ‘A rixa do Carcará contra o Sapo-boi’, ‘Morte e Vida Severina’ e outras fugas, que é sempre fuga a literatura; fuga da secura do sertão, da secura nonsense e repetitiva da vida, do nonsense seco e tedioso da morte.


***

Alguns livros (gratuitos) que escrevi ou organizei podem ser baixados AQUI. Um pouco de poesia experimental? Eu experimento AQUI.

Sammis Reachers, nascido por acaso em Niterói mas gonçalense desde sempre, é poeta, escritor e editor, autor de sete livros de poesia e dois de contos, e professor de Geografia no tempo que lhe resta – ou vice-versa.





POLÍTICA

KOTIDIANO

CULTURA

TENDÊNCIAS
& DEBATES

telegram cor.png
bottom of page