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Sorria - por Paulinho Freitas

SÃO GONÇALO DE AFETOS


Imagem: imgarcade.com
Imagem: imgarcade.com

Wellington foi criado comigo e nossa infância e adolescência foi marcada pelas brincadeiras e apelidos que as pessoas faziam conosco por conta da cor da pele ou algum problema físico.

Naquela época não tínhamos ideia do bullying que sofríamos. Se existe o tal “tapas sem mãos”, levávamos “chibatadas sem chicotes” sem saber que estávamos sendo lanhados na alma e marcados pelo resto da vida, como gados, com apelidos que ao ouvi-los chorávamos sorrindo para sermos bem aceitos no meio dos colegas como “iguais” que nunca seríamos.


Wellington tinha os dentes frontais grandes, não conseguia fechar a boca e a gargalhada era geral quando ele passava, a galera cantava em coro a música Composta por Evaldo Braga e Carmem Lucia: “Sorria meu bem, sorria...” Wellington se chegava quieto e se aninhava entre nós sorrindo sem graça e de cabeça baixa, até que esquecessem de sua presença e arranjassem outra diversão. Assim ele foi esquecendo o nome dele e ficou para sempre marcado na lembrança de todos nós como SORRIA.


Nos carnavais da época, os que tinham uma condição financeira mais ou menos, “viajavam” para a região dos lagos, como é até hoje, e quem não tinha, ficava por aqui mesmo. SORRIA se apaixonou por Anete, que não lhe dava a menor confiança, não notava sua presença e nem percebia os olhares apaixonados do meu amigo, que chorava sozinho com o rosto no travesseiro.


Certo carnaval, Anete estava no portão vendo o ir e vir dos fantasiados, quando um pierrô Azul e branco com uma bailarina nas costas e uma linda máscara de porcelana ajoelhou diante dela, entregou-lhe uma rosa e com um gesto mímico arrancou do peito o coração e o entregou em suas mãos. O mascarado nada disse e saiu bailando como um ser sobrenatural.



O coração de Anete bateu como nunca havia batido tão descompassado, os olhos parecem terem visto uma miragem, num passe de mágica tudo vira real, o mascarado some misturando-se a outros foliões. Anete corre para dentro de casa, põe a rosa num copo e o coloca ao lado da imagem de Nossa Senhora das Graças, que num quadro estende suas bênçãos àquele lar. O ritual se cumpriu por alguns carnavais, sem que o pierrô revelasse sua identidade até que Anete se casou e o pierrô nunca mais apareceu.


Este ano Anete completou sessenta anos e seu aniversário teve a companhia festiva do carnaval, como todos sabem São Gonçalo não teve a visita de Momo, mas depois de tantos anos um pierrô azul e branco lindo, novinho, com uma bailarina nas costas e uma linda máscara de porcelana apareceu no portão da agora viúva Anete. Como há tantos anos ajoelhou a seus pés, entregou-lhe uma rosa e num mímico gesto retirou do peito o coração e o entregou em suas mãos que trêmulas acariciavam o rosto do pierrô. Ele, como das outras vezes cumpriu seu ritual de sair bailando pela rua até desaparecer numa curva. Anete entrou correndo como a tantos anos atrás, colocou a rosa num pequeno jarro o depositou ao lado da imagem de Nossa Senhora das Graças, tão emocionada com o reencontro nem tentou pedir a identidade secreta daquele que a fez renascer de esperança pelo amor e pela vida. Talvez tenha que esperar o próximo carnaval e tomar coragem para pedir a identidade secreta de seu admirador.


Na rua de cima Wellington toma uma dose de conhaque, acende um charuto e olhando para a lua canta um samba de Osvaldo Nunes e Celso Castro: “Voltei aqui é meu lugar, minha emoção é grande, a saudade era maior e voltei para ficar...”


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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.







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