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Tia Cida - por Paulinho Freitas

SÃO GONÇALO DE AFETOS

Imagem: Reprodução Internet
Imagem: Reprodução Internet

Um grande parceiro meu, o Adalberto, tem um filho pequeno e uma mulher muito ciumenta. Ela é tão ciumenta que sonha que ele a está traindo e o acorda debaixo de tapas e xingamentos. Ele se defende como pode e tenta argumentar que foi um sonho, que aquilo não aconteceu e ela retruca que sonho é aviso e até em sonho ele é safado, sem vergonha, canalha e todos os demais adjetivos ruins que um marido possa ter.


Meu amigo não tem sossego. Até na hora de compor seus sambas ele não pode colocar certas palavras, ela pergunta logo se é recado para alguma sirigaita que ele está jogando charme.


Na pandemia até que ele teve um pouco de paz, o trabalho em home office deu uma certa acalmada na esposa. Ele tinha expediente no escritório uma vez por semana, às vezes duas, ela reclamava um pouco, mas nada que o fizesse perder o bom humor. Quando a pandemia deu uma trégua ele chegou em casa sentenciando:


_ Filha, vou tirar o Junior desta escola, a gente paga uma fortuna e ele não aprende nada. Um amigo me indicou um colégio maravilhoso, muito mais barato e com ensino de qualidade. Esta semana vou resolver isso. A partir de hoje vou participar mais da vida escolar de nosso filho, não que você não faça direito, pelo contrário, você é maravilhosa, mas eu preciso de um tempo maior com ele.


Clarice, sua esposa, ficou maravilhada. O marido participando mais da vida do filho, levando todas as manhãs a criança para a escola e indo às reuniões de pais todas as semanas. Ele corrigia os cadernos e as lições do filho todos os dias, recebia e respondia os recados da professora e estava presente no colégio sempre que solicitado. Era tudo que a mulher queria e estava feliz da vida.


Um dia ela resolveu fazer uma surpresa ao filho e foi buscá-lo na escola, chegou antes do marido para fazer uma surpresa aos dois. Na porta do colégio o porteiro pergunta o nome da criança que ela veio buscar e ela responde:


_Júnior, aquele lourinho ali.



O porteiro a olhou com desconfiança, pediu para que ela esperasse um pouco e foi chamar a professora. A porta da secretaria se abre e de lá sai uma morena estonteante, de calça legue apertada, uma blusa decotada com um jaleco por cima, mas que nada tapava, veio andando como se fosse um anjo pisando em nuvens.


Os negros cabelos balançando ao vento deixava seu perfume no ar. A mãe de Júnior olhou em volta e viu que só tinha pais esperando os filhos, todos com aquela cara de babões, pareciam enfeitiçados e nada mais viam além da beldade. A professora chegou ao portão, deu um lindo sorriso junto com aquela voz aveludada desejando uma boa tarde, o coro masculino foi uníssono:


_Boa tardeeeeee!!!


A professora estendeu a mão para Clarice, muito simpática e falou:


_Muito prazer, Tia Cida. Estranhei você ter vindo, o pai do Junior disse que depois da separação seu domicílio era São Paulo e que você só vinha no final do ano, fico feliz que tenha podido vir, seu marido é muito dedicado e o Júnior é um amor de criança.


Clarice possuída de ódio já não ouvia o que a professora falava, pegou o filho pelo braço e saiu abrindo caminho por entre os pais que se aglomeravam para pegarem seus filhos e aproveitavam para sentirem o perfume e ver o ir e vir de Tia Cida pegando as crianças no pátio e trazendo ao portão para entrega-las a eles. No caminho o Júnior entrega inocente:


_Mamãe, esqueci de dar o presente que papai mandou para Tia Cida.


_Que presente? - pergunta Clarice.


_ Está na caixinha, na minha mochila, acho que é um cordão.


Clarisse entra no carro contando até mil, o celular toca, o visor do telefone denuncia quem liga: Adalberto. Ela deixa tocar sem atender e Júnior, inocente pergunta à mãe:


_ Quer que eu atenda mamãe? Você esta dirigindo e não pode falar no telefone dirigindo, não é mesmo?


_ Isso mesmo filhinho, mamãe não pode atender. Você vai ficar com vovó um pouquinho que eu tenho uma coisa pra resolver e depois venho te buscar.


_ Ebaaaaaaa!!! - responde o menino.


Em pensamento ela fala a verdade para si mesma:

_ Desgraçado! Sarapuento! Vou arrancar teus ovos, virar tuas tripas, chupar teu sangue! No carnaval nem de fantasma você vai sair por que nem um lençol eu vou deixar para cobrir tua alma infeliz e ainda vou acender milhões de velas para o “inimigo” te queimar na fornalha mais quente que houver lá embaixo.


Entrou em casa, colocou uma dose dupla de whisky sem gelo no copo e ficou esperando Adalberto.


Adalberto, por sua vez, chegou atrasado para pegar o filho, mas com um maço de flores nas mãos para dar a Tia Cida. A surpresa dele foi que ela pegou as flores com um lindo sorriso e as despetalou todas em cima dele, além de arranhar todo seu rosto com aquelas unhas enormes de acrigel.


Se o pessoal da escola não separa ela o lanhava todo como uma leoa brava. Ele ainda teve o topete de ir para casa. Lá chegando o cardápio foi variado, de entrada um copo voador acertou-lhe a testa, depois um taco de basebol veio o atacando por todos os lados, o jeito foi correr.


As coisas vão se ajeitar, tenho certeza, mas a verdade é que encontrei esta semana com Adalberto na praça de alimentação de um shopping aqui de São Gonçalo, cheio de hematomas. O cumprimentei como se de nada soubesse e perguntei:


_Meu parceiro, você conhece algum bom colégio que tenha uma boa professora para crianças? Um amigo meu está precisando matricular seu filho.


Adalberto se levanta, pega a bandeja com o prato cheio de comida e joga para cima atraindo a atenção de todos em volta, sai andando e vociferando em todas as direções:


_ Leva pra Bangu 1! Pro presídio Patrícia Acioly que é mais perto! Leva pro diabo que te carregue! Não enche meu saco!


Todos ficaram espantados com a atitude do meu amigo. Que cara estressado né não? Só fiz uma pergunta!

 

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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.



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