Tião Gavião: O discreto - por Paulinho Freitas
- Jornal Daki
- 28 de dez. de 2022
- 4 min de leitura
SÃO GONÇALO DE AFETOS

Saio de casa para dar uma volta na cidade, ver as coisas de natal, passo pela praça Zé Garoto onde muita gente está andando de lá para cá como antigamente. Crianças com carrinhos e casais de namorados, pipoqueiro, chafariz, uma árvore de natal linda, acesa fazendo os olhos brilhar.
Até aqueles cara fortões que tiram onda de valentes, recém-saídos da academia e que passaram lá para comer um açaí e azarar as meninas ficam com cara de besta. Achei que a praça está muito bonita.
Depois de dar umas voltas pela praça resolvo continuar a caminhada e antes de atravessar a rua ouço me chamarem pelo nome e quando me viro vejo meu velho amigo Tião Gavião, não o via há muito tempo, ele não mudou nada, apenas uns fiapos de cabelos brancos e nada mais, sem rugas e com o mesmo sorriso de sempre. Pergunto pela família, pela saúde dele e ele começa a falar pelos cotovelos, nem respira:
_ Rapaz, tu se lembra do Marquinhos, aquele que morava no morro, mas tirava onda de bacana, só vivia de roupa nova? Pois é meu caro, a filha dele é da igreja, vai a missa todos os domingos, mas aos sábados dança em cima da mesa, num quiosque lá em Camboinhas, com o vestido levantado até a cabeça. Bebe e fuma.
Tem um namorado lá que acho que é boiola, o cara vê tudo e não fala nada! A mulher do Marquinhos, também acho que anda meio fora da linha, sai todo dia de tarde e só volta de noite antes dele chegar do trabalho. Sei não. Ah, Aquela outrazinha, que nem vou falar o nome e você já vai saber quem é, uma que casou com aquele fortão.
Então, o irmão dela sumiu, diz ela que esta tralhando em São Paulo. Isso tá esquisito, acho que esse malandro está metido em alguma coisa errada. E os sete irmãos da casa da esquina, tu lembra? Irmão, as brancas de neve deles você não queira saber, cada uma pior que a outra, tudo anda de shortinho mostrando a poupa da bunda, passam de bunda empinada sacudindo o cabelo, tudo puta.
Aquele que morava na primeira casa da rua tu lembra também né? Depois que a mulher dele morreu danou a beber, até maconha andou fumando, andou internado e tudo, agora entrou pra crença, arranjou emprego e casou com uma irmã da fé. Vai ser corno de novo, aquela ali não engana ninguém.
Quando Tião parou para respirar entrei de sola: _ Eu queria saber de você irmão, como você anda, como vão seus irmãos, seus filhos, e aí, como vão as coisas para você?
Tião deu umas duas gaguejadas, pigarreou e falou em tom de segredo: _ Tu sabes que lá em casa a criação foi rígida. Lá em casa todo mundo é honesto e trabalhador.
Estamos numa fase ruim, porque meu filho mais velho estava na hora errada e no lugar errado lá perto do campo e a polícia chegou e levou todo mundo. Ele estava vendo o jogo e estão dizendo que ele estava com o pessoal do tráfico.
Tudo mentira, disseram que acharam drogas, armas e um radinho de comunicação na mochila dele. Pô, o garoto é trabalhador, tá desempregado igual a todo mundo tá. Minha filha largou o marido, aquele traste não servia pra nada, cismou que ela estava traindo ele com o primo, só porque toda vez que ele chegava do serviço o primo dela, filho de criação do meu irmão, estava lá com ela.
Foram criados juntos e ela sempre foi acostumada a ficar em trajes íntimos com ele. O marido é um bundão. Já foi tarde. Fui ali agora ao advogado pra ver a parada da minha aposentadoria, sabe como é depois dessa reforma ninguém se aposenta. Arrumei um laudo aí de maluco e vou tentar ficar na sombra do boi. Todo mundo faz né?
Quando tiver um tempo aparece lá em casa pra beber um café com a gente. Tô no mesmo lugar, nada mudou. Vou andando que tenho que comprar algumas coisas pro natal da “velha”, sabe como é, se eu não comprar meus irmãos também não dão a mínima, tudo aproveitador. Eu continuo a mesma coisa, não quero saber da vida de ninguém, a minha já dá trabalho demais. Abração irmão!
Dei um abraço nele e retruquei: _ Feliz Natal irmão, você não mudou nada mesmo. Abração!
Fiquei cansado só de ver o cara falar, acabou que ficou tarde e encerrei meu passeio por ali mesmo, ainda fiquei um pouquinho olhando a árvore e as pessoas e fui embora.
Meu natal foi legal, espero que o de vocês também. Termino o ano com essa crônica bem leve, como espero seja leve, alegre e cheio de conquistas o ano que está chegando para todos nós.
Obrigado pelas leituras e pelo carinho de sempre e que continuemos juntos, eu DAKI e vocês daí, contando e distribuindo histórias e conquistas.
FELIZ ANO NOVO!!!
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.


















































