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São Gonçalo tem jeito pra tudo, por Eduardo Lima



O Jornal Daki perguntou a Eduardo Lima: São Gonçalo: Essa cidade tem jeito? E ele respondeu assim:

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São Gonçalo tem jeito pra tudo.

Perguntaram para mim se São Gonçalo tem jeito... Ela tem jeito de simpática, jeito de furdunço, de africana, de europeia, de esperançosa e de incrédula. São Gonçalo também tem jeito para tudo: se a passagem está cara, tem o jeito de ir de bicicleta mesmo; tem o jeito que o camelô arruma para sobreviver; o jeito que os idosos têm que dar pra poder escalar os ônibus; e também tem o jeito de fugir do sol no calor causticante de verão, seja atrás do poste ou com uma sombrinha.

Palco de tantas dificuldades, tantas desordens e descasos, a cidade está financeiramente pobre, é um fato. E, naturalmente, a pergunta vem questionar se a cidade tem salvação, tem chances de se desenvolver e gerar bem-estar social aos seus moradores.

Ao observarmos diversos exemplos de cidades mundo afora, ou mesmo daqui do Brasil, que apresentam urbanismo impecável, atrações turísticas badaladas e grande concentração de riquezas, a sensação que temos é que São Gonçalo precisa de séculos de desenvolvimento para ter jeito de cidade chique.

Objetivo distante, inimaginável, que abusa até da fé de quem acredita em reencarnação. Mas, certo dia, triste por ser tão difícil ver essa cidade ficar chique, tropeço no conceito de “cidade saudável” num artigo sobre arquitetura e urbanismo:

“A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a saúde como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades". Conquistar saúde requer um processo ativo em que indivíduos, e a sociedade criem e mantenham condições nas quais o bem-estar possa ser alcançado. Por isso, a criação de cidades saudáveis não deve ser considerada um objetivo final, mas uma trajetória, onde a cooperação entre acadêmicos, a comunidade e os especialistas de saúde pública e planejamento urbano possa ser a força motriz que coloque a saúde como peça central nas decisões sobre investimentos para os centros urbanos. Portanto, para uma cidade ser considerada saudável, o que conta são as ações sendo tomadas, não as características atuais da cidade”.1

Imediatamente vem uma sensação de “eureca!”, não porque já estejam sendo tomadas ações que gerem desenvolvimento para a cidade – e, efetivamente, na minha despretensiosa opinião, não estão –, mas pelo conforto que traz a ideia de que o caminho é mais importante e mais gratificante que o destino, bem como a ação de “colocar-se a caminho” acontece necessariamente antes que a chegada ao destino.

Logo depois veio à minha mente a imagem de São Gonçalo na minha adolescência, que foi superada não tem nem uma década: vizinhos conversando nas calçadas à noite, crianças explorando as ruas próximas com suas bicicletas, futebol descalço interrompido apenas para um carro passar, dificilmente por ordem do medo ou da insegurança. Parecíamos saudáveis, apesar de tudo...

De poucos anos para cá, os sofrimentos se acentuaram. A queda livre econômica e social nos fez prender a respiração, nos levando à pergunta de então: a cidade tem jeito?

Pelo sofrimento e pela dor, a família se aproxima para buscar entes queridos nos pontos de ônibus desertos à noite, vizinhos se unem para buscar formas de amenizar a escalada da violência, trabalhadores desempregados veem no empreendedorismo uma saída viável e organizações da sociedade civil se levantam com pautas inéditas na cidade. Todos nós nos vendo obrigados a nos movimentar, a dar um jeito na histórica ausência do poder público nesta cidade.

Aí está o ponto de inflexão, o momento de se civilizar na marra, de voltar a respirar por conta própria. O destaque, neste momento, é o empoderamento, mesmo que ainda seja muito tímido, mas que traz perspectivas duradouras de mobilização em prol de uma sociedade mais saudável.

E, se me permitem o bairrismo, se temos em São Gonçalo uma diversidade e criatividade únicas, o empoderamento de sua população transforma essas características em suas maiores riquezas, fazendo-nos perceber que é desse nosso jeito, pelas nossas mãos mesmo, que se pode ter saúde.

1 COURB Brasil. Publicado no site ArchDaily: https://www.archdaily.com.br/br/876411/cidade-saudavel-a-relacao-entre-planejamento-urbano-e-saude-publica. Acessado em 18/05/2018, às 16h30.

Eduardo Lima é gonçalense e engenheiro.

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Outros debatedores:

Marlos Costa

Helcio Albano

Prof. Josemar Carvalho

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