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A Mákina® - por Sammis Reachers

Sábado, 7h12 da manhã, Boaçu.


Melhor: Sexta-feira, 19h01, Pacheco.


Ou um domingão ensolarado no Arsenal, às imaturas 6h45.


Lá vem ela.


A mákina®.


Seu sinal, onipresente do Oiapoque ao Chuí, berra. Berra firme, bezerro desmamando, agoniado, tarado num estertor pior que o de uma cigarra.


Nas horas mais improváveis e não-comerciais, no mais santo dos santos dias, um vizinho, esse avatar do cão, vai ligar uma maldita Makita®. Quem sabe você, neste exato momento, consegue ouvir, aí ao lado ou à distância, o lamento infernal da retalhadora de porcelanas e aparentados mais pobres?


A kretina atravessou meio mundo, nadando nas costas de um tritão ou Godzilla ou Kondzilla ou outro demônio dos sons e mares. Sim, veio do Japão, das mãos ou garras de Mosaburo Makita, cujo império de terror illuminati é hoje o segundo do mundo no quesito ferramentas elétrikas.



Aquele puxadinho para ampliar a casa, o piso da área de serviço prometido há anos pra patroa, o quarto da menina, coitada, já mocinha e pisando no cimentado cru. O novo piso que a dondoca – dondoca não, guerreira da Jequiti – quer porque quer colocar sobre o antigo. O palacete do vizinho bacana (político, cana?) sendo forrado no mais tarimbado porcelanato, 300 reais o metro. E o campeão suburbano das makitagens: Aquele coroa mukirana, que anda pelas ruas esfarrapado e na dependência do busão, expandido os negócios, quais sejam, mais uma kitinete para sua vila de já 15 casebres, numa sanha por dinheiro, dinheiro que só serve... para comprar mais tijolo e acionar a Makita, e isso desde que você era um moleque.


Não importa o motivo, todos perfeitamente justos e válidos. O que realmente constrange e emputece o entorno, o você aí no seu sofá, é a lerdeza. A protelação. O pinga-gotas. O entra-e-sai de dias e aquela maldita Makita cantando, pakita do inferno, papagaia do marquês de Sade. A catedral – pois só pode tratar-se de obra duma faustosa catedral – rompe décadas sem ser concluída.


Pode ouvir, amigo leitor? Esse urro tenebroso, lancinando os ares, empoeirando de lascas cancerígenas o meio ambiente ou o ambiente inteiro? O som dessa labuta que nunca termina, feito Sísifo rolando aquela pedra morro acima, para vê-la despencar e recomeçar, ou Penélope tecendo aquela colcha à espera de um Ulisses que nunca virá.


É ela. A que nunca dorme. A espada, alabarda ou motosserra do kapeta.


A mákina.

 

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Sammis Reachers é poeta, escritor e editor, autor de dez livros de poesia e três de contos/crônicas, organizador de mais de quarenta antologias e professor de Geografia no tempo que lhe resta – ou vice-versa. Acaba de lançar um livrinho de bolso, Sabenças & Sentenças da Missão: Frases e provocações missionais. O autor e sua obra estão quase todos aqui: https://linktr.ee/sreachers





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