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Rogier, o gigolô de pudores, por Sammis Reachers


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Sua carreira na contravenção principiou do princípio: Auxiliar e depois oficial de uma banca de Jogo do Bicho centrada na exata meiota da Rua da Feira de Alcântara.


Dali acumulou contatos, rabichos e também desavenças.


Aborrecido o patrão, que não era homem de despachar perdão assim à toa, coube ao contrafeito cupincha juntar seus paninhos de bunda e tocar para Marambaia, onde inaugurou um ferro-velho.


Trabalho pesado, mas sujo só para quem quiser enricar rápido. Era caso, e o safardana associou-se a poliças do Sétimo, aquele batalhão o-pior-do-Brasil, num esquema onde todo mundo ganhava.


A corda, desimportando a latitude ou a longitude, sempre se estopora no mesmo ponto: Na mão frouxa do mais fraco. E foi assim que, quando babou o esquema, Rogier, pois esse era o nome do bruto, foi curtir uma etapa no frio chão de Água Santa (Deus a tenha, Deus intervenha).


No xadrez, misto de escolinha e engenho de curtir couros, o malandrim foi iniciado num carnaval que desconhecia: As cadeeiras, as Marias-cadeia, as mulheres mal amadas (o desamor começa no espelho, a sociedade só reflete o apurado) ou mal situadas que sentem um prazer ou fissura ou tesão que seja em ir relacionar-se com encarcerados.

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Não entremos no mérito da patifaria, mas atemos nosso rumo ao relato: O boa-pinta filho do Laranjal logo fez valer sua verve de mulherista: Acumulou amigas e amores.


Desfeito o prazo de amargar responsas, foi solto o sabiá canoro.


A carteira de trabalho, que entrara em branco no chilindró, no bolso furado de seu dono, em branco ficou, e agora tinha uma carga, carimbo ou tição de fogo com o signo “ # ”, a marca dos “reeducados” pelo sistema.


Por princípios desafeito a armas de fogo e seus muitos usos, o cabrón gonçalense recebeu uma luz enquanto tomava uma baixa renda no fiado, em certo e raro bar amigo: Suas amigas de colchão fino de cadeia dariam caldo.


E assim Rogier iniciou o novo negócio: Mascate de meninas. Bem, nem meninas assim, que eram todas experimentadas até o quase colapso de suas tarimbadas infraestruturas. Mas não entremos no mérito.


O safardana alugou no bico, na lábia, um ponto ali no Zé Garoto, e deu start na utopia.


O bom filho da terra era inovador, e um avant-garde: Com as entradas da bufunfa, logo saiu do entorno da saia e do barraco de mamãe, e montou casa no Vila Laje, pois dali já sonhava expandir franquia para Niterói, mais rica tanto em cash quanto em otários. Mas a inovação nem foi isso, foi o regulamento que o bixxxo fulminou sobre as proletárias: Todas morariam com ele, que nem macho nunca foi pra dar cabo de estripulia dessas, mas era gonçalense: Ao menos a banca de brabo ele sustentava.


E tinha mais: As braçais de cama, algumas mais velhas do que ele, se não todas, tinham que chamá-lo doravante de “Pai”.


Rogier, que se seguisse a fé da mãe não teria tomado fumo na vida e chá de trozoba na cadeia (e que isso se esqueça, fique claro), tinha pundonores:


Fora do trampo, talvez para compensar o sumário dos trajes noturnos, as meninas deveriam usar saias longas, como se crentes. Nada de shortinhos, a peça invencível que “desgraça nossas ruas”, na assertiva Rogieriana. Tinha mais, Rogier não queria funk na casa durante a folga diurna das meninas, “que aquilo não era música”, e, agora entrando no mérito, em alguns momentos é mesmo difícil contrariar Rogier. “No máximo um pagodinho”.


Estudo foi pouco, mas o autodidata da vida tinha leitura: Aprendera sobre patriarcas e as culturas do Oriente, onde o marido tinha que dar um gordo dote ao pai de sua noiva, para levá-la. O contrário, no mesmo Oriente, acontecia: Era o pai da noiva quem dava, em muitas culturas, o dote. Mas Rogier tinha espírito e escolhera seu lado. E mais: Como bom pai, ele tinha planos para o futuro de suas rebentas.


E assim o Patriarca do Zé Garoto (ou “Abraão das Potrancas”, segundo certo e malfadado funk que lhe fizeram, à revelia, no malfadado Catarinão), como ficou conhecido, lascou saiotes nas primas suas agregadas e inovou, que era, repito, além de gênio da raça, homem de pudores: Mantinha a primeira casa de tolerância do Brasil que funcionava também como agência casamenteira. Logo à entrada, quando apanhavam a comanda, os clientes liam uma inflada (há quem diga fictícia) biografia e eram ainda informados dos dotes e capacidades de cada menina; e o contato extra-prostíbulo, comumente evitado no normal deste negócio, ali era incentivado pelo visionário Rogier, a fina flor do Laranjal.


Ele cumpria seu papel de progenitor e zelador do futuro de suas prebendas: Se durante a noite as meninas batiam cartão sem refresco, de dia eram intrometidas em cursos de culinária e etiqueta, costura overloque e biscuit.


Acha que é piada, amigo leitor? Pois saiba a senhoria que em três anos Rogier, com lucro pessoal e social, casou 27 meninas, livrando-as da torpe lassidão; e em dezembro receberá a moção de Cidadão Benemérito Gonçalense na Câmara Municipal. Só ali dentro Rogier, se desfez dois casamentos, forjou outros quatro; sim, faturou quatro satisfeitíssimos genros!!!


Uma nota final: Semana passada, enquanto fazia uma entrega, encontrei Rogier, luzes no cabelo, tomando um trago (“Cognac Henessy, já bebeu?”) na Praia das Pedrinhas. A nova? O gênio da terra se uniu em consórcio (ele prefere chamar de joint venture) a dois investigadores ou investidores-anjo (!?) da 74ª DP (um deles, o mesmo que o havia guardado anos antes, que mágoa nunca ajudou na política e nem nos negócios). Completando o time, um certo sargento bombeiro “muito bem relacionado”. A ideia é levar a inovação até Nova Iguaçu, Queimados e Belford Roxo, aquel’outros campos de Marlboro, terras de bambas.


Enquanto eu saía do bar ou gabinete, sorrindo sozinho e admirado, ainda o ouvi dizer: “E um dia, Brasília...”. Ah, Rogier!

Alguns livros (gratuitos) que escrevi ou organizei podem ser baixados AQUI. Um pouco de poesia experimental? Eu experimento AQUI.

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Sammis Reachers, nascido por acaso em Niterói mas gonçalense desde sempre, é poeta, escritor e editor, autor de sete livros de poesia e dois de contos, e professor de Geografia no tempo que lhe resta – ou vice-versa.

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