Nelson - por Paulinho Freitas
SÃO GONÇALO DE AFETOS
Na Praia das Pedrinhas, sentado na beira d’água, Nelson olha o mar, as ilhas, o céu azul com pássaros e pipas enfeitando a tarde de domingo, mexe com as mãos na água sem distinguir o que é lágrima ou o que é água de tanto que é a quantidade das duas. Tanto choro é de tristeza, dois anos gastando as solas dos sapatos já surrados entregando currículo e recebendo respostas como: “nosso quadro está completo”, “seu currículo é muito bom, mas não atende aos requisitos da empresa”, “o seu currículo está além das expectativas da empresa”, ou “aguarde contato.”
No Brasil, milhões de pessoas ouvem a mesma coisa todos os dias, o negócio está difícil. Nelson é economista de formação com larga experiência profissional, mas pela falta de oportunidade e pela necessidade de sustentar o corpo e a família dá aulas particulares e nos finais de semana recolhe material reciclável numa das paisagens mais bonitas e de possível acesso em São Gonçalo, se emociona com alegria de nosso povo que canta e dança, bebe e comemora a vida até altas horas nos finais de semana e como ele, brigam para ganhar o pão no início delas.
Nelson pensou que com a formação e experiência que tem, teria facilidade de emprego e um digno salário. Nelson é haitiano, com muito sacrifício conseguiu chegar ao Brasil depois que um terremoto atingiu seu país e deixou como pagamento por tanto sofrer, a família e algumas peças de roupa. Não sabia que a cor de sua pele e um “bom padrinho” são mais importante que qualquer item curricular, que aqui no Brasil a escravidão acabou, mas esqueceram de avisar aos “senhores e sinhás”, neste imenso quadro verde, amarelo, azul e branco ele é tão invisível quanto os que servem para produzir, mas não podem se servir daquilo que produziram.
Nelson, assim como a maioria da população brasileira, só quer ter um domingo com o quintal cheio de parentes, a mesa farta, música, dança e gargalhada para recarregar as baterias e acordar na segunda feira feliz, na certeza de que no próximo final de semana terá o suficiente para energizar a mente, a alma e o coração. Tem que haver um jeito de viver em paz, sem tantas duplicatas discriminatórias para pagar. Tem que ter um jeito de não ser um adjetivo, de poder ter dignidade e ser respeitado. Eh meu São Gonçalo! Protegei os filhos de sua terra! Tanto os que do teu ventre nasceram quanto os que de teu coração brotaram!
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.