Amor, Silencioso Amor II - por Paulinho Freitas
SÃO GONÇALO DE AFETOS

Luiz Telefone tinha este apelido por causa das orelhas avantajadas. Além disso, tinha feições rústicas, mãos calejadas pelo trabalho como pedreiro e a pele em demasia queimada pelo sol. As meninas da rua nem o notavam. Ele também não dava muita trela para elas, os olhos, a alma e o coração de Luiz Telefone pertenciam a Andréa, ela sim o fazia ficar de pernas bambas todas as vezes que a via.
Ela com roupas colegiais parecia com todas as colegiais, mas quando estava vestida com a roupa da missa dominical era uma santa escrita, no olhar para o altar, no cantar dos hinos e na emoção ao receber a hóstia consagrada. Luiz Telefone acompanhava à distância a amada no seu dia a dia.
Andréa só tinha olhos para outro Luiz, o Luiz Beleza, não precisa dizer o porque do apelido, era bonito demais e respirava cada suspiro que cada menina dava por ele. Luiz Telefone não tinha a menor chance.
Num domingo, final de futebol os dois bebiam juntos e Luiz Beleza confidenciou ao amigo que Andréa estava grávida e que ele era o pai daquela vida por vir, mas não tinha intenção de assumir, pois tinha uma vida inteira pela frente e também não tinha intenção de se casar tão cedo. Pediu segredo e disse que no dia seguinte estava viajando para São Paulo onde moraria com uma tia, já tinha trabalho fixo arranjado e matrícula em uma universidade particular garantida.
_ E a Andréa? Perguntou Luiz Telefone.
_ Que se lasque! Respondeu Luiz Beleza.
Naquela mesma semana Luiz Telefone, com sua melhor roupa e perfumado até a alma estava de joelhos aos pés de Andrea, a pedindo em namoro, ela hesitou, mas estava grávida, o pai da criança a abandonou e ela não teria como explicar a tradicional família, ia ser um escândalo e uma vergonha sem precedentes para seus vaidosos e orgulhosos pais.
Entre uma parede e uma porta fechada ela não teve alternativa, aceitou o namoro e após algum tempo revelou a gravidez a Luiz Telefone que fingiu surpresa e na mesma hora comunicou a família dela, assumiu o papel de pai, que naquela época era casando-se que se provava masculinidade, responsabilidade e caráter.
Daí para frente Luiz Telefone era o melhor dos maridos, apesar de quase sempre rejeitado pela mulher e muitas vezes pegá-la pensativa e choramingando a sorte pelos cantos não se dava por vencido. Levava café na cama para a amada, flores trazia todos os dias, chocolates, poesias e tudo o mais que uma mulher pode querer de um companheiro.
Quando a filha nasceu, embora os amigos rissem de canto de boca todas as vezes que ele passava orgulhoso com a menina no colo ele era só carinho, só amor por aquela criança.
O tempo foi passando, a criança crescendo e o desprezo que Andréa tinha por Luiz Telefone foi se transformando numa grande amizade e depois num grande amor a fazendo esquecer completamente aquele que a abandonara grávida anos atrás.
Num dia em que o remorso estava quase lhe roendo a alma ela chamou Luiz Telefone para uma conversa, queria lhe confessar que o enganou por todos esses anos e que agora, que se apaixonara por ele não achava justo deixá-lo sem saber a verdade. Luiz Telefone respondeu:
-Sonhei com você todos os dias da minha vida. Vivi para você e morreria e renasceria por você um milhão de vezes. Nossa filha é o ser mais precioso que Deus pode fazer e nos dar. Por pior que seja o que você tenha feito, se perdoe, pois somos tão felizes e temos tanto amor a dar para nossa família que nada pode atrapalhar. O que está submerso, deixe submerso, não vale a pena remoer o que não te faz bem. Esquece!
Num beijo sem palavras e cheio de lágrimas o coração de Andrea se fez paz. Naquela varanda lá no Morro da Salga, onde se contempla um lindo pôr de sol, aquele casal vive a felicidade de ver a filha, hoje quase formada, evoluir como profissional e ser humano e ser todo orgulho pela família que tem.
O que ela não sabe é que não é filha natural de Luiz Telefone e sim de seu enorme coração.
O que Andréa não sabe é que Luiz Telefone sempre soube de tudo, nunca foi enganado por ela e que ao não revelar que sabia também pecou.
O que ele também não sabia até fazer um espermograma a pedido médico numa dessas consultas que os homens precisam fazer depois dos quarenta anos, embora já esteja beirando os sessenta, é que ele é estéril.
O amor, embora silencioso fez a diferença em três destinos, ele sempre fará a diferença.
Quanto a Luiz Beleza este não voltou a São Gonçalo, espero que esteja bem por lá e não venha atrapalhar a felicidade alheia.
São Gonçalo de Afetos torce para que todos os finais sejam felizes!
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.
