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Favela do Gato II, por Erick Bernardes


Foto: Zé Branco (lado esquerdo), Catarina e os irmãos (lado direito). Acervo familiar.
Foto: Zé Branco (lado esquerdo), Catarina e os irmãos (lado direito). Acervo familiar.

Recordações, reminiscências, memória — a tudo isso se presta o testemunho. Mas nada tão verdadeiro e próximo do que o sentimento, não é mesmo? Assim que publicamos a crônica há algumas semanas, a querida leitora amiga, a Professora Edila, juntou fragmentos da própria história familiar e nos ofereceu carinhosamente este relato.


A narrativa acerca do município de SG é matéria-prima, e o cronista decerto não pretende desperdiçar. Embora a memória apresente zonas esfumaçadas pelas lacunas decorrentes do passado recente, o legado da senhora Catarina (mãe da nossa narradora) prevalece. Não faz tanto tempo assim, nítidos são os rostos, fatos e nomes, por isso somos gratos à professora: os verdadeiros presentes geralmente nos chegam silenciosos.


— Boa tarde, Edila, tudo bem? Saiu a crônica fresquinha há meia hora mais ou menos. É sobre a Favela do Gato em SG, conhece?


— Sim, sim, ora se conheço. Sou desse tempo, Erick, minha família era dona de um dos pedaços de terra onde cresceu a Favela do Gato. Não poucas vezes ouvi histórias de como o manguezal adentrava desde a beira da praia até a praça do Gradim.


Viu aí, caro leitor? Deu pra se certificar do tipo de sentimento que brota do íntimo. E mesmo assim o assunto se estendeu; conversa sincera; interlocutora bacana.


— Saudosas são as lembranças de minha mãe que cresceu na praia chamada de Cassunu (atual Cassinu) e que só há dois meses nos deixou. Recordo de quando mamãe contava as histórias da indústria de pescados Rubi, onde o principal requisito para o trabalho, além da carteira profissional era ser proprietário de uma faca.


Reconheço que, a partir daí, a dúvida acerca da extinta Capela de Nossa Senhora da Conceição me foi por água abaixo. Se antes duvidei de boatos espalhados pela mídia concernentes a tal capela histórica, agora tudo se explicou. Me fala dessa construção antiga?


— Sim, claro, sei de que na capela erguida pelos funcionários da fábrica havia uma grandiosa festa em homenagem a Nossa Senhora da Conceição no dia da padroeira, e que a estrada também passou por cima tão logo a urbanização chegou, mas os donos da fábrica preservavam em suas dependências o altar de madeira que foi retirado da construção demolida. Por algumas vezes, eu, meus primos e tios nos reuníamos para pescar na praia e saíamos com muitos cestos cheios de camarões e siris. Minha mãe quando criança era catadora de caranguejos, os quais vendia e complementava a renda familiar. Recordo das festas e quermesses, eram tão concorridas! Anualmente comemoravam com queima de fogos, procissões junto a um belo andor bastante enfeitado. A ruazinha contava com uma vila de casas dos funcionários da indústria. Já pelo lado esquerdo, uma calçada na beira da praia, as areias sempre limpas e atrativas. Tudo isso eu ouvi de minha mãe, que não se cansava de falar de como era lindo aquele lugar. Mamãe viveu num sítio do Sr. Pedro Correa e da Sra. Salvina, cujos limites se estendiam do Rio Marimbondo até a rua Cruzeiro do Sul. Havia plantações de frutas que eram comercializadas no Rio de Janeiro, cujo transporte se dava pela Guanabara. Depois da morte de Pedro Correa, as terras foram vendidas para a Yamagata e família. Já a Sra. Silvina e seus cinco filhos (hoje todos falecidos), estes saíram do Cassinu. Os moradores mais antigos podem até se lembrar, mas não acredito que ainda estejam por lá. O lugar precarizou. Ah, confesso que fico emocionada por lhe narrar essas memórias. Lembrar de mamãe, esposa de Zé Branco (papai) conforta o coração. O irmão dela exerceu atividades pesqueiras nessa praia, chamavam-no de Simão, sim, juro. Seria então coincidência ele haver recebido o apelido bíblico do pescador apóstolo? Sei não (risos).


Pois bem, como se não bastasse tanta informação interessante, o relato ainda nos deu a conhecer assuntos sobre túneis no morro, considerados cavernas fabricadas pelos Jesuítas para servir de rota de fuga nos tempos da colonização. Havia também o trem que passava pelo Porto da Madama e entrava no Cassinu, onde existia um grande porto genérico de mercadorias, até que encerrou as atividades quando da abertura do transporte marítimo de Niterói.


— Obrigado, Edila, muito obrigado.


Fim.

Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.




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