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Os Judas da entrada do Zumbi, por Erick Bernardes


Bonecos de Judas em Belém do Pará/Foto: O Liberal
Bonecos de Judas em Belém do Pará/Foto: O Liberal

Acordar cedo para ver o Judas inflado e estufado no poste, ler os jornais pasquins cagueatarem a vizinhança e causando confusão. Ah, isso não tem preço. Só no Sábado de Aleluia a tradição se manifestava coloridamente.


Tinha boneco com a cara do prefeito, espantalho com jeito de técnico de seleção brasileira, dentre tantos outros. Contudo, bom mesmo eram os bonecos Judas com nome e fantasia de algum morador que caíra no desgosto da comunidade. Quem não se lembra do Judas com nome do português vendedor de pipa, com boné do Chicago Burro (alusão ao time de basquete Chicago Bulls), insinuando zoação pelo fato do coroa apresentar QI abaixo da média no jogo de damas? Ou o bêbado consumidor dos charutos e produtos usados nos despachos da encruzilhada famosa por causa dos seus banquetes oferecidos aos seres do além. Um lugar de coisas e pessoas peculiares.


O bom das informações oferecidas nos papéis colados nos Judas consistia em nos atualizar informativamente acerca das fofocas alheias: um marido traído pela esposa com entregador do gás, um furto revelador praticado por alguém de perto, uma briga entre marido e mulher, dessas coisas que mais parecem de interior do Brasil. Segundo a estudiosa do assunto, Lúcia Gaspar (2005), a malhação de Judas é um “costume trazido pelos portugueses e espanhóis para toda a América Latina, desde os primeiros séculos da colonização europeia, a malhação ou queimação do Judas, para alguns pesquisadores, seria um resíduo folclórico transfigurado das perseguições aos judeus que se desencadeou na Idade Média, na época da Inquisição”.


No entanto, em São Gonçalo, a atividade de espancar o Judas e depois queimar o boneco (seria uma personalização das forças do mal, vestígio de cultos para obter bons resultados, no início e no fim das colheitas, realizados em várias partes do mundo. Há ainda alguns historiadores que afirmam ser o costume remanescente da festa pagã dos romanos (GASPAR, 2005).


Hoje dou aulas nas escolas do município e descobri que aluno nenhum conhece a tradição. Incrível esse apagamento cultural. No dia seguinte, recordei e manipulei uma dezena de fotos do meu álbum de infância, comentando com minha irmã:


_ Ali, vê o boneco gordo? Era trapo ou palha para rechear o Judas. Enxerga no peito e no muro ao lado folhas de ofício escritas com garranchos feitos a hidrocor? Pois é, tudo artesanal, nosso tio mesmo acordava 4 da manhã só para pendurar um dos tradicionais Judas no poste. Era certo, no sábado seguinte estaria lá o bonecão causador de fofocas. Saudades disso, confesso, coisas de antigamente.


É isso, caro leitor, texto breve como muitas manifestações culturais, terminam assim do nada, fica o gosto de “quero-mais”.


Nota: Pasquins eram os apelidos dados aos cartazes colados nos bonecos Judas, alusão ao famoso jornal Pasquim.


Fonte:

http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=716%3Amalhacao-do-judas&catid=48%3Aletra-m&Itemid=1

Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.




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