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Covanca: bairro musical ou antigo reduto boêmio de São Gonçalo - por Erick Bernardes


 Os Regionais/Foto: Acervo Erick Bernardes
Os Regionais/Foto: Acervo Erick Bernardes

Lembrava-se dos sons da flauta e do violão saindo do quarto dos tios Jairo e Patápio. Pois é, incrível o que uma pessoa consegue registrar na mente sobre a história do bairro onde viveu a maior parte da infância — e ainda é capaz de narrar os acontecimentos mais de meio século depois. De fato, havia música e diversão no bairro chamado Covanca. Toda sexta-feira, lá pelas tantas da noite, o moleque Fernando assistia os tios montarem o aparato dos ensaios que iriam concretizar o samba e a gafieira durante todo o fim de semana.

Na vila chamada de Avenida Aragão, juntavam-se os parentes aos amigos, montavam-se roda de música e dança solta, quando não varavam as madrugadas na mais animada confraternização das redondezas. Já por volta de 1940, as manifestações artísticas estendiam-se ao largo das calçadas sem problema algum. Todos amavam os estribilhos dos sambas e choros tocados pelo grupo de músicos conhecidos como Regionais. Sim, incrível, muitas vezes canções compostas ali, junto aos moradores do bairro, eram até comemoradas com pastel de feira e cachaça.



Há quem afirme ter começado lá mesmo a carreira do mestre flautista Altamiro Carrilho, justamente na casa do músico português Joaquim Fernandes. Outros juram que Pixinguinha e Aracy de Almeida constituíam-se figuras frequentes das rodas de músicas produzidas no bairro. Contam que se ouvia a melodia suave da canção “Carinhoso” e as firulas do flautim martelando no ar o agudo da “Chiquita Bacana”. Ah, isso, sim, juram que dava pra escutar. Não sei, confesso que tenho dessas recordações dos outros o meu ponto fraco. Ainda mais quando se trata de afirmar fatos sem o alicerce confiável das fontes históricas. E, nesse caso, as narrativas sobre essa parte da nossa história municipal, contadas por outrem, revelariam um convite ao equívoco, além de ser um prato cheio para invenção de mitos sobre a antiga Estrada do Pião.


Se, nos livros de Geografia, afirmam a possibilidade de o bairro da Covanca ter se originado através das realizações imobiliárias decorrentes dos negócios da família aristocrata do Visconde Beaurepaire-Rohan, certo é que, nos tempos do avô do nosso personagem Fernando, as ruas e vielas eram margeadas por arbustos denominados pião ou pinhão-roxo, trazidos para a região gonçalense por causa das suas propriedades medicinais ou religiosas. Principalmente, porque foi mesmo ali ao lado, no distrito de Neves, onde se construiu o primeiro centro religioso de Umbanda. Necessário reconhecer a importância do lugar. Sim, acredite, caro leitor, a Umbanda nasceu em São Gonçalo, ali pertinho da Avenida Aragão, repleta de arbustos de pinhão-roxo. Daí o nome dado à primeira estrada da região dedicado ao vegetal medicinal muito usado em banhos e rituais. Indiscutível, a Estrada do Pinhão, que se chamada atualmente Covanca, ao lado de Neves, marcou a história da região. Dizem que o topônimo engraçado significa terra cercada por morros; e de fato basta olhar ao redor do lugar para ainda hoje perceber o entorno alavancado.

Bem, necessário encurtar a prosa e dizer que, tão logo acabou de me contar a história de onde outrora constituiu-se da Estrada do Pião (ou do Pinhão-roxo), Fernando guardou o retrato carcomido pelo tempo e calou a voz chorosa por causa da saudade. Pois é, assim como na fotografia amarelada pelos anos passados, na memória do neto do músico Joaquim Fernandes restam imagens do antigo lugar mais alegre de São Gonçalo. Sim, verdade, aconteceu na Covanca: terra de samba, choro e gafieira, lugar de gente bamba.


 Vila da Covanca/Foto: Acervo Erick Bernardes
Vila da Covanca/Foto: Acervo Erick Bernardes

>>> Publicado originalmente em 09/12/2018.

 

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Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.



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