Doce sabor
- Jornal Daki
- 2 de abr.
- 3 min de leitura
SÃO GONÇALO DE AFETOS
Por Paulinho Freitas

Aparício é dono de um bar daqueles da antiga, com serragem no chão e aquelas geladeiras de madeira que gelam até pensamento. Passa os dias atrás do balcão, trabalhando de sol a sol e no domingo, após fechar o estabelecimento e almoçar, vai para casa de um patrício lá no Barreto jogar baralho, beber vinho e ouvir fado.
A vida corria bem, até que se muda para perto do bar uma mulata chamada Fátima. Aparício quando viu aquele monumento de mulher, começou até a fazer troco errado. Já não dormia, só pensava nela. Quando ela passava a caminho do trabalho Aparício ficava de pé na porta do bar, aí dizia: _oh mulata! Daria-te tudo por um momento de prazer contigo.
Fátima fingia não ouvir e seguia seu caminho. Acontece que o português não estava sozinho nessa empreitada. Arthur Pata de Vaca, compositor da antiga, já tinha feito até samba pra ela e Pedro Bico Fino, malandro de gafieira nato, tipo de malandro que não se pode deixar falar, se deixar ele leva até às calças, também já tinha jogado uns gracejos. Sem sucesso, mas jurou não desistir.
O tempo, senhor e remédio de tudo e para tudo foi passando. Um dia, Aparício distraído no balcão ouviu aquela inconfundível voz: bom dia seu Aparício. Aparício tremeu, os dedos tremeram tanto que a caneta desapareceu. Ela fingiu não notar e continuou: vou direto ao assunto. Você disse que faria qualquer coisa para ter uns momentos comigo. Pois bem. Quero uma fantasia do Salgueiro, custa três mil e quinhentos. É pegar ou largar. Aparício nem pechinchou. Topou na hora e já marcou de encontrá-la no domingo. Ao invés de ir jogar iria namorar, a mulher não desconfiaria de nada e ficaria tudo as mil maravilhas. Só esqueceu de combinar com o destino.
No domingo fechou o bar mais cedo, foi para casa, tomou aquele banho que desde Portugal não tomava, passou bastante perfume e quando ia sair, sua mulher entra na sua frente e começa a falar: _vais sair sem comer? Uma ova! Não vais bebere sem se alimentares direito, eu acá não quero ficar viúva. Fiz a comida que tu gostas.
Aparício não queria dar bandeira e concordou. A portuguesa fez uma sopa de grão de bico com tudo que é tipo de carne, Aparício não resistiu, caiu dentro com a maior ferocidade, comeu, repetiu e ainda tomou quatro canecas de vinho rascante. Quando acabou de comer estava pesando uma tonelada. Sentou no sofá para descansar um pouco e pegou no sono.
Quando acordou já era noite. Ainda pensou em ligar para Fátima, mas a mulher poderia ouvir. Melhor esperar o dia seguinte. Inventaria uma desculpa e marcaria outro encontro. Ela queria o dinheiro e ele queria o prazer. Não tinha como dar errado.
Como Aparício não apareceu ela ligou para Pedro Bico Fino que apareceu em sua frente como por encanto, já com um cheque na mão. Ela agradeceu feliz, mas disse não poder sair com ele para namorar, pois estava “naqueles dias”. Pedro Bico Fino não perdeu a pose, tomaram um chopinho, conversaram e só. No dia seguinte ela foi aí banco sacar o cheque e como já era previsto, estava sem fundos. Furiosa tentou ligar para Pedro Bico Fino, que logicamente tomou chá de sumiço até a poeira baixar.
Naquele mesmo dia, ao chegar em casa recebeu um envelope com um volcher para pegar a fantasia e, ainda um bilhete que dizia: _A única coisa que quero em troca é teu sorriso iluminando a passarela. Ela quase desmaiou de emoção.
No carnaval, enquanto Fátima brilhava no carro alegórico e Arthur Pata de Vaca recebia os beijos que ela mandava para ele, Pedro Bico Fino era preso tentando vender ingressos falsos para um camarote. Aparício via pela TV a mulata de seus sonhos requebrando o objeto de seu desejo, apertando o braço do sofá com tanto ódio que parecia que iria quebrar e na cozinha sua esposa sorria o doce sorriso da vingança tomando uma caneca de vinho, comendo tremoços e ouvindo um belo fado na voz de Amália Rodrigues.
Ê meu São Gonçalo! Quantas histórias!
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.
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