Isso não é uma crônica
- Jornal Daki
- há 3 horas
- 3 min de leitura
Por D.Freitas

Isso não é uma crônica, é um desabafo, pois não consigo transcrever sonhos, lembranças, desejos e criar mundos com um tufão ventando em minha cabeça. Costumo descrever a minha mente alegoricamente como um quarto. Nos últimos tempos, esse quarto se encontra completamente bagunçado. Vez ou outra, consigo encontrar algo que procuro. Vez ou outra encontro algo que presta. Raramente dou de cara com uma fotografia, um cheiro ou qualquer coisa que me traga nostalgia. Hoje, especificamente, encontro apenas tranqueiras por aqui. Além da bagunça, do cheiro de mofo e a falta da luz do Sol na janela, sinto que algo espreita nas sombras. Não vejo, não ouço, mas sinto. Uma presença que arrepia minhas espinhas e me faz querer sair daqui, mas não sei o que acontece do lado de fora dessa porta. Pra ser sincero, sempre vi janelas, mas nunca havia notado a presença de uma porta. Não sei nem mesmo se tenho a chave.
Antes que a presença se fizesse mais forte, pude ouvir os sussurros e absurdos em um coro dissonante vindos de diversas bocas. Pude ver silhuetas se aproximando da janela escura. Unhas podres arranhando o vidro. Pele ressecada. Os vidros se embaçam fantasmagoricamente e pela primeira vez, tenho medo de estar aqui. Quero ser cuspido pra fora. Sinto falta até mesmo das minhas próprias vozes que vêm me visitar vez ou outra e colocar um pensamento intrusivo sobre a escrivaninha ou escondido dentro da gaveta de meia. Agora eu estou só. Contra aqueles que dizem querer me devorar, devorar uns aos outros e acabar com tudo até que sobre apenas um deles. Pode ser o ego, pode ser a teimosia, pode ser o orgulho, mas a razão nunca vai ser a coroa do último que ficar de pé.
Vejo os vidros racharem. Penso em me entregar, mas lembro que mesmo bagunçado, mesmo caótico, mesmo fedendo a vinagre, chulé e mofo, meu quarto é meu quarto. Imutável. Minha mente é minha mente, comandada apenas por dois senhores: eu e o tempo. A minha verdade é a minha verdade. Opiniões alheias não me afetam. São apenas contos para assustar crianças ou desavisados.
Aos poucos o Sol começa a raiar. Ilumina a penumbra na janela. As peles ressecadas parecem ter mais vida. As unhas não são garras e os fantasmas são apenas pessoas. Tampouco estão vindo em minha direção. Apenas perambulam. Exceto um, este, olha para trás. Embora belo, amedronta. Embora sorridente, parece sádico. Embora vencido, parece estar pronto para voltar qualquer dia. Que me dê tempo para lutar mais uma vez. Agora estou cansado e ainda tenho que arrumar meu quarto, minha mente e começar a escrever a crônica dessa semana.
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Davi Freitas (D.Freitas) nasceu em São Gonçalo, cria da cultura gonçalense, desde sempre conviveu com músicos, poetas e escritores. autodidata, aprendeu violão e bateria sozinho e junto com o irmão Lucas Freitas fez algumas apresentações até ter, por motivos profissionais, que mudar de estado. Como escritor, participou, pela Editora Apologia Brasil da Antologia em Tempos Pandêmicos e inicia agora sua trajetória no mundo das crônicas e contos.