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O bairro Tenente Jardim: uma história de Celina, por Erick Bernardes


Confesso a você vontade de enveredar por romance ou novela tão logo caiu em minhas mãos essa pérola de história sobre o bairro Tenente Jardim. Narrativas de homens militares, damas europeias em modos parisienses, governantes audaciosos, tudo isso acontecendo bem aqui pertinho, na queridíssima São Gonçalo. Contudo, reconheço, foram as informações acerca da francesa Céline Mohe o que de fato me chamou atenção.


Houve um tempo, quando a dama Céline Mohe era considerada moça prendada no clã prestigioso de burgueses da região da Provença. Verdade, coisas da fidalguia estrangeira, família oriunda de judeus estabelecidos em França — e não é que veio o destino oferecer aquele "puxão" maroto na direção da história? Pois é, armadilha do acaso, uma das ironias da vida, a Mademoseille Mohe casou aqui no Brasil e se tornou a influente Celina Jardim.

De acordo com nosso saudoso historiador Evadyr Molina, a graciosa Celina Mohe "nasceu na França, a 27 de dezembro de 1874, e faleceu em Niterói, a 4 de fevereiro de 1953". Contraiu matrimônio com Juvenal Jardim, até então o não muito destacado Tenente Jardim (oficial de marinha), de quem ela enviuvou em 1917. Ora, benfeitora e atuante no município de São Gonçalo, a senhora não se manteve apática e participou ativamente do grupo de convescote fundado na subida da Caixa d'água; um tipo de associação para recreação e amizades no Fonseca. Com isso, seria mais provável o nome dela tomar vulto na sociedade, claro. E foi o que ocorreu, divulgaram no jornal a doação de uma quantia considerável de dinheiro para construção da igreja de São João Batista, no bairro da Venda da Cruz, em 1932. Tudinho saído do bolso da dama francesa, "caridosa", diziam na sociedade, "caridosíssima"!


Além disso, atribuem à dedicada Celina a doação dos sinos da igreja também, onde há gravado ainda hoje o nome da dama em sinal de reconhecimento. Após o falecimento do esposo (o tal Tenente Jardim), Celina casou novamente, e desta vez tomou como cônjuge o sisudo Manuel de Oliveira, homem atarracado e de comportamento sobremaneira polido. Dizem que próximo ao falecimento do segundo esposo, a tal senhora francesa decidiu se mudar para a rua Doutor March, residência fronteiriça ao terrenão do alemão Otto Hanz Kopteche; onde se cultivava em larga escala a erva chamada mastruço, com fins de atender à produção farmacêutica dos laboratórios da capital. Sim, exato, da plantação da dona Celina extraíam matéria prima para fazer xarope expectorante. Tempos remotos, épocas de fitoterapias, mastruço com mel, broncodilatador.

Sabe-se ainda que a francesa de alma gonçalense deixou este mundo quando ainda residia na casa que tanto gostava — e onde até pouco tempo serviu de residência ao seu sobrinho, o senhor Hélio Sevelie. A dama havia herdado do esposo inúmeras propriedades na Engenhoca, inclusive o sítio em que viveu, junto ao morro do Castro. Daí por diante, ganhou nome de rua no Barreto depois de falecida.


Bem, em vez de conclusão, resolvo-me deixar aqui uma pergunta: por qual motivo não foi a nossa ativista francesa homenageada com nome de bairro, em vez do marido militar, já que Celina se mostrou muito mais atuante na comunidade gonçalense? Seria essa alguma evidência de predileções de gênero na época, conforme se pode enxergar ainda hoje?


Alguns afirmarão ter o referido Tenente Jardim exercido maior destaque em seu tempo. Braço forte do governo, nada mais natural. Não sei, juro não saber mesmo. Explicação pobre. Mas a dona Céline Mohe merecia mais que nome de rua, ah, isso sim, merecia!

Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.




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