Se todos fossem iguais a você - por Paulinho Freitas
SÃO GONÇALO DE AFETOS
Ele chegou em casa mais cedo, limpou e perfumou a casa, fez um jantar caprichado e afrodisíaco, forrou a cama com lençóis de cetim, sobre a mesa dois castiçais, os pratos e guardanapos arrumados do jeito que ela gosta, um vinho da melhor safra, pétalas de rosa faziam a vez de um tapete vermelho e macio traçando o caminho da sala até o quarto.
Quando ela chegasse receberia um beijo sem palavras, depois, suavemente fecharia seus lábios com a mão para que nada fosse dito, a levaria nos braços até o banheiro e a deixaria lá por quanto tempo ela quisesse até que sairia como uma deusa, cabelos soltos, um vestido preto, um colar, um andar de gata no cio sobre as pétalas de rosa, tomariam uma taça de vinho, jantariam, tudo em silêncio, só os olhares falariam, após o jantar música francesa, carícias, carinho, um beijo apaixonado, começaria a despi-la ali mesmo na sala, bem devagar, tiraria o colar beijando-lhe o pescoço, a nuca, abriria o zíper do vestido e o deixaria cair deslizando por seu corpo enquanto sua boca quente percorreria suavemente suas costas até as nádegas, uma mordidinha suave a faria subir pelas paredes, depois levantaria, mais um beijo, mais longo e safado, beijos, beijos, muitos beijos nos olhos nariz, orelhas, pescoço, seios...há os seios...!
A essa altura ela já estaria se enroscando como uma cobra e gemendo, grunhindo, perdendo o chão, o equilíbrio, a razão, a levaria para cama, ela ardendo, beijaria-lhe os pés, os joelhos, as coxas, lambería-lhe o sexo e sorveria seu néctar até que ela num instinto selvagem o puxaria para si querendo os sexos encaixados num vai e vem sem fim em todas as posições possíveis e inimagináveis até que o gozo triunfal os jogariam lado a lado, depois ela adormeceria em seu peito completamente nua, ele levantaria, limparia toda a casa, a vestiria como se nada houvesse acontecido, pela manhã ela haveria de pensar que sonhou e seria a mulher mais feliz do mundo.
Ela chegou, ele ouviu o portão abrir, apagou as luzes, acendeu as velas e aguardou, ela entrou falando rápido e descontrolada, o empurrou indo em direção ao banheiro:
_ Sai da minha frente que estou apertada para fazer xixi. Acende a luz que eu não gosto de escuro. Esta casa está uma bagunça, esse cheiro de flor está me enjoando. Tive um dia de cadela no escritório, chego em casa doida para tomar um banho e descansar e você ao invés de me ajudar a manter a organização suja tudo. E esse cheiro de velas queimadas? Andou fazendo macumba aqui? Olha meu querido, assim não dá! Não pense que vai fazer comigo o que seu pai fazia com tua mãe não. Os tempos mudaram, século XXI amigo!
Quando ela saiu do banheiro ele já tinha desfeito o cenário que imaginou estar perfeito e estava sentado no sofá, ela passou como um vento a caminho da cozinha, ele observava pensativo, da cozinha ela esbravejava:
_Ostras? Você gastou uma fortuna com ostras? Um orçamento apertado como o nosso, uma crise financeira invadindo todos os países do mundo, não há crédito, o desemprego esta aí na porta apertando a campanhia e você me compra ostras? Eu não te agüento! Vinho meu Deus! Logo você que é um cervejeiro incondicional comprando vinho! Hoje eu não estou boa pra discussão, minha cabeça está explodindo, mas amanhã vamos resolver esta situação, não vou jantar, vou dormir, veja se não liga essa televisão aos berros por que eu preciso descansar, boa noite!
Ele limitou-se a balançar a cabeça afirmativamente, ela bateu a porta do quarto, o silêncio se fez, ele foi até a cozinha, pegou uma taça de vinho, acendeu um charuto, apagou as luzes, pôs uma música, baixinho, foi para varanda e cochichou com seus botões: “Agora ela vai ficar uns dias feito bêbada: um dia ri sem saber do quê, outro dia chora sem saber porquê, aí vem as cólicas, o saquinho de água quente , dormir com minhas mãos espalmadas sobre sua barriga... Ah! A TPM... Depois levantou-se e começou a dançar sozinho, de olhos fechados imaginando a amada em seus braços. Lá fora a lua redonda iluminava a varanda, um ventinho gostoso refrescava aquela noite de verão e a música embalava seus pensamentos:
“NE ME QUITTE PAS, NE ME QUITTE PAS...”
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.